O retrocesso americano pela Ação Civil Pública número 17-2459 que baniu o alistamento de transgêneros nas Forças Armadas Americanas

por Beatriz Gonçalves

Em 23 de Março de 2019, o atual presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump, assinou um memorando restringindo “alguns” transgêneros de se alistarem às forças armadas desta nação. Destaca-se a nomenclatura “alguns”, pois neste documento é restringido o alistamento de transgêneros com disforia de gênero. Isto é, segundo às autoridades americanas, estes são as pessoas que podem requerer médico substancial, incluindo medicamentos e cirurgias para a sua transição hormonal. 

Entretanto, nem sempre o governo americano foi adepto à restrição de transgêneros no exército. Durante um pequeno lapso temporal, entre 2016 até 2017, ainda no exercício governamental de Barack Obama, os Estados Unidos acabou com essa restrição alegando que não poderiam fechar os olhos para tal realidade e deveriam protege-los, pois o exército deve ter acesso de todos os talentos possíveis.

Primeiramente, antes de adentrarmos à profundidade do tema e suas problemáticas, é preciso abordar as diferenças entre gênero, sexualidade e transgênero.

O gênero se refere a diferenciação da própria pessoa entre ser homem e mulher, de acordo com as construções sociais. A sexualidade, porém, é a atração sexual e afetividade entre as pessoas. E transgênero é a identificação de gênero contrária à identificação física e biológica.

Todavia, com a mudança presidencial em 2017, toda essa discussão se iniciou quando Donald Trump, no dia 26 de julho do mesmo ano, publicou através de suas redes sociais a seguinte mensagem[1]: “Depois de consultar meus generais e militares, por favor, fiquem avisados de que o Governo dos Estados Unidos não irá aceitar ou permitir indivíduos transgêneros para servir o Exército dos Estados Unidos em qualquer capacidade. Nossos militares devem se concentrar em vitórias decisivas e extraordinárias, e não podem se preocupar com os tremendos custos médicos e transtornos que seriam causados por transgêneros entre os militares”.

Após essa declaração, em 25 de agosto de 2017, Donald Trump expediu um memorando nomeado como “Memorando para o Secretário de Defesa e Secretário de Segurança Interna”[2], no qual formalizou o banimento dos transgêneros de acordo com a sua declaração através das mídias sociais. Neste documento, a autoridade presidencial solicita a estes secretários que criem um plano implementatório sobre tal assunto.

Em 21 de Novembro de 2017, as cortes federais em Washington e Califórnia protocolaram uma injunção preliminar junto à Suprema Corte para que fosse proibido a determinação do presidente.

Após alguns meses, em 22 de Fevereiro de 2018, a Secretaria de Defesa apresentou o “Plano de Implementação” no qual recomendava que houvesse uma alteração no memorando apresentado anteriormente, para que fosse permitido que os transgêneros já presentes no exército continuassem à servir o país, ao invés de serem expulsos.

De acordo com a fundamentação da Secretaria de Defesa, a política inclusiva comprometeria a aptidão médica porque há “considerável incerteza científica” sobre a eficácia dos cuidados médicos para a disforia de gênero (incongruência entre o gênero de nascimento) e porque as tropas diagnosticadas com disforia de gênero são medicamente inadequadas e menos disponíveis para o desenvolvimento. (CENTER, Palm. 2018:4)

De acordo com a American Psychiatric Association’s (Associação Psiquiátrica Americana)[3], a disforia de gênero não deve ser equiparada à incapacidade. Segundo os especialistas, através de análises de militares transgêneros e não-transgêneros, há a presença de angústia em seus hormônios independentemente do gênero, pois isso pode ser causado por qualquer motivo, como por exemplo, a saudade por estar longe da família durante o serviço militar.

Ainda em seguimento com a American Psychiatric Association’s, o Diretor Executivo, Saul Levin, afirmou que “as pessoas transgêneros não possuem distorções mentais; assim, eles não sofrem qualquer prejuízo em seu discernimento ou capacidade de trabalhar”.

Estima-se que há 12.800 transgêneros servindo os Estados Unidos. Muitos soldados ou soldadas presentes atualmente no exército sofrem discriminações por se privarem de serem quem são, pois a paixão de representar o seu país supera quaisquer barreiras.

Essas pessoas são discriminadas pelos outros componentes do exército e pelas suas regras internas, pois mesmo com as constantes mudanças corporais e hormonais, os mesmos precisam necessariamente continuar a servir e usar os uniformes de acordo com o sexo descrito no nascimento.

Sendo assim, é indiferente que a mudança corporal externa seja explícita, a pessoa então deve continuar agindo de acordo com o sexo no qual não há identificação.

Após os diversos trâmites judiciais, a Suprema Corte em 2019, através da Ação Civil Pública número 17-2459[4], com a decisão de George L. Russel, autorizou que o veto de Donald Trump entrasse em vigor. Desta feita, a medida começou a vigorar em 12 de Abril de 2019.

Com essa medida, a Suprema Corte, não identificou que tal banimento violasse alguma norma americana, pois o memorando seguiu os trâmites previsto no Art. 2 da Constituição Americana, como por exemplo a solicitação de um parecer por escrito ao principal funcionário em cada um dos departamentos executivos, conforme visto anteriormente que de fato tal trâmite foi realizado.

Porém, nessa decisão judicial no qual autoriza o explícito retrocesso no que tange novamente a proibição de transgêneros americanos nas forças armadas, foi esquecido totalmente os direitos humanos de cada um e a igualdade entre os seres também previstos na Constituição Americana. A priori, todos os seres humanos são livres para gozarem e usufruírem dos direitos básicos, todavia, como é possível perceber, os direitos humanos em algumas situações são deixados de lado quando não estão de acordo com os interesses próprios.

Tal medida é o início de um novo retrocesso à população americana, pois mesmo com a Resolução da ONU sobre a violação dos Direitos Humanos dos LGBTQ+, na qual os Estados Unidos adota desde 2011, e mesmo que haja previsão expressa de que não pode haver discriminação com os transgêneros, a referida norma não é seguida com a fundamentação de que a transição com hormônios irá atrapalhar o desempenho nas forças armadas e de que o governo não pode ser uma alternativa para financiar as cirurgias de sexo. Tal fundamentação causa um enorme estrago na vida das pessoas que se identificam como transgêneros, pois essas pessoas só querem servir ao seus país e possuem o desejo de que sejam reconhecidos e aceitos como são, todavia, com essa medida, além de serem julgados diariamente pela sociedade, são julgados também pelo Estado como incapazes e más influências ao desempenho do exército americano em futuras batalhas.


[1] https://tribunahoje.com/noticias/mundo/2017/07/26/no-twitter-trump-diz-que-nao-vai-permitir-que-transgeneros-prestem-servico-militar/

[2] https://www.whitehouse.gov/presidential-actions/presidential-memorandum-secretary-defense-secretary-homeland-security/

[3] https://www.glad.org/wp-content/uploads/2018/04/Palm-Center-report-Rationale-for-Reinstating-the-Transgender-Ban-Is-Contradicted-by-Evidence.pdf

[4] http://cdn.cnn.com/cnn/2019/images/03/07/stone_et_al_v_trump_et_al__mddce-17-02459__0249.0.pdf

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